Um avião que transportava o time de futebol da Chapecoense caiu na madrugada desta terça-feira na Colômbia, para onde a equipe viajava para disputar a final da Copa Sul-Americana contra o Atlético Nacional de Medellín.
Nos casos de desastres com muitas vítimas fatais como o acidentes aéreos da equipe Chapecoense, grandes incêndios, desabamentos, terremotos, furacões, tsunamis e outros — dentro da mobilização de toda uma estrutura de socorro nos mais diversos níveis, se faz presente a intervenção do psicólogo. Em alguns desses casos, a demanda é tão grande que são convocados psicólogos voluntários para atuarem emergencialmente na situação junto aos parentes das vítimas.
O que é possível dizer a quem perde bruscamente uma pessoa amada? Não há técnica psicoterapêutica capaz de estancar instantaneamente a dor de tal perda. A intervenção psicológica emergencial, nesses casos, visa atenuar o desespero do momento e ajudar o início de uma reestruturação. Mas não há receita de bolo que se aplique a todos os casos, sendo necessária uma avaliação e definição de estratégia de enfrentamento realizadas de forma individual.
Os familiares e amigos das vítimas são também, a seu modo, vítimas do acontecimento. Embora o desastre concentre a atenção pública sobre os fisicamente vitimados, as vítimas psicológicas tem suas vidas profundamente afetadas. Uma série de questões atingem o subitamente enlutado, que precisa lidar até mesmo com questões de identidade: “quem sou eu agora?”, “eu era casada, agora sou viúva”, “eu era pai, agora não tenho mais meu filho”. Isso é acompanhado também pela dificuldade de estruturar um sentido para a situação presente e de visualizar uma recuperação futura: “o que essa pessoa significava para mim?”, “por que isso foi acontecer logo com a gente?”, “não sou capaz de suportar essa dor e sinto como se ela nunca fosse passar”, “como será minha vida daqui em diante?”.
O trabalho de intervenção psicológica em emergência é diferente do trabalho de psicoterapia. Pode ser necessário ajudar a pessoa a se estruturar em diversas questões práticas imediatas, desde a organização das informações sobre o desastre (muitas vezes obtidas de forma fragmentada), passando por questões burocráticas, até cuidados pessoais básicos, como se alimentar. Tudo isso suportado pela oferta de uma escuta atenta a quem frequentemente apresenta grande demanda de falar para elaborar um sentido para o ocorrido.
É preciso ser capaz de lidar com o sofrimento do outro — e com as próprias experiências de sofrimento projetadas naquele momento — estabelecendo uma real empatia, mas ao mesmo tempo não se permitindo assimilar esse sofrimento ao ponto de se desestabilizar. Trata-se de um desafio que o psicólogo precisa estar apto a enfrentar, ciente de que o choque inicial observado apenas antecede o processo de luto, um caminho mais ou menos longo a ser percorrido. E esse longo caminho, posteriormente, pode encontrar na psicoterapia um importante suporte para conter o desenvolvimento de quadros psicopatológicos, como Transtorno de Estresse Pós-Traumático, transtornos de ansiedade diversos (incluindo pânico), depressão e outros.
“Só nos curamos de um sofrimento depois de o haver suportado até o fim.”
(Marcel Proust)
Mas como pessoas sem formação psicológica podem apoiar quem perdeu um ente querido? Essa é uma situação muito desconfortável, pois sentimos que nada do que se diga terá efeito diante de tal experiência. O que é certo e o que é errado de se fazer em uma hora como essa? Acho importante ressaltar primeiramente aqui o que não fazer.
Por sentirem-se incapazes de lidar com o sofrimento do outro, muitas pessoas tentam conter as manifestações desse sofrimento, fazendo recomendações como “não fique assim” ou “não chore”. O luto súbito desencadeia um turbilhão de emoções extremamente intensas que precisam ser extravasadas. Você tentaria vedar a válvula de escape de uma panela de pressão? Pois é.
Outra abordagem comum é a tentativa de consolo religioso, que pode até ter o efeito adverso de estressar ainda mais o enlutado, pois o significado da perda e a visão religiosa da morte podem variar bastante de uma pessoa para outra. Você pode errar ao falar sobre uma determinada visão religiosa para quem dela não compartilha, assim como isso pode não ser nada consolador para uma pessoa que, embora adepta da mesma religião, não tem uma fé suficientemente fundamentada no seu íntimo a ponto de obter alívio por esse recurso. É muito comum também que essa situação de perda brusca desperte revolta contra Deus. Na dúvida, melhor não seguir por esse caminho, a menos que o próprio enlutado tome a iniciativa de mencionar religião.
Foto da aeronave que transportava a equipe Chapecoense.
Mais do que algo que se possa dizer, o que mais conta é proporcionar a quem perdeu uma pessoa querida a sensação de estar recebendo atenção e sendo cuidado. Demonstrar afeto e transmitir — mais com atitudes do que com palavras — a mensagem “estou aqui, pode contar comigo” é normalmente o mais adequado a se fazer. Não é esperado que você diga “as palavras certas” para fazer parar a dor do outro, porque não existem tais palavras mágicas. Pode ser válido também sugerir a busca de um apoio profissional.
Tragédias com mortes nos remetem à nossa própria mortalidade. Temos uma grande necessidade de viver acreditando que estamos seguros, mas esses acontecimentos nos lembram de que não temos sobre nossas vidas o controle que gostaríamos de ter, que a vida pode ser interrompida subitamente — sem absolutamente nenhuma indicação prévia — e que a morte não está reservada necessariamente para um tempo de velhice avançada.
De certo modo, todos nós que ficamos somos sobreviventes de cada tragédia que encerra vidas, sejam próximas ou distantes de nós, pois sobrevivemos a essa imprevisibilidade da vida que poderia ter atingido a nós ao invés de àquelas pessoas. E assim, com esse sentimento de “poderia ser comigo”, exercitamos nossa humanidade estabelecendo conexão e empatizando com o sofrimento do outro.
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